Só quem tem um(a) filho(a) pequeno(a) em casa sabe como eles(as) demoram para contar uma história. Da mesma forma que temos que nos esforçar para lembrarmos a tradução das palavras no desafio de aprender uma nova língua, ele(as) precisam se esforçar para lembrar o vocabulário. Assim, usa-se o termo disfluência para caracterizar as quebras no fluxo da fala.
No post de hoje, a fonoaudióloga Raquel Luzardo, especialista em linguagem e atendimento infantil, nos conta tudo sobre este fenômeno comum chamado disfluência e nos ensina como diferenciar a disfluência fisiológica da gagueira.
“A disfluência é um fenômeno comum na fase em que as crianças estão estruturando sua linguagem. Entre dois e seis anos de idade, as crianças passam por uma etapa do desenvolvimento chamada “disfluência fisiológica”, que tende a desaparecer sem qualquer tipo de intervenção. Usa-se o termo disfluência (ao invés de gagueira), para caracterizar as quebras no fluxo da fala.
As disfluências ocorrem sobretudo nesta fase da infância, devido ao grande desenvolvimento de fala e linguagem, havendo em seguida uma redução gradativa dos mesmos, justificado pela maturidade cronológica das crianças. Ou seja, existem muitas ideias, pensamentos e fatos a serem narrados, associados ao domínio não completo da língua, inclusive com restrição de vocabulário.
Caso seu filho tenha dificuldade para falar e costuma hesitar ou repetir determinadas sílabas, palavras ou frases, ele pode ter uma gagueira. Contudo, ele também pode estar atravessando um período de disfluência normal, período este que muitas crianças enfrentam quando estão aprendendo a falar.
A disfluência normal das crianças
A criança dentro do seu desenvolvimento normal pode ser disfluente, ocasionalmente, repetindo uma ou duas vezes sílabas ou palavras, por exemplo: pa-pa-pato. As disfluências ocorrem com mais frequência entre um ano e meio e cinco anos de idade; costumam ir e vir.
Normalmente, essas disfluências são sinais de que a criança está aprendendo a usar a linguagem de maneira nova. Se as disfluências desaparecerem durante várias semanas e depois voltarem, a criança pode estar atravessando uma nova fase de aprendizagem.
A criança com gagueira leve
A criança com gagueira leve repete sons mais de duas vezes, pa-pa-pa-pa pato por exemplo. A presença de tensão pode ser evidente nos músculos faciais, especialmente ao redor da boca.
A intensidade de voz pode aumentar com as repetições e, ocasionalmente, a criança terá “bloqueios” -ausência de ar e voz por alguns segundos.
Tente falar mais lenta e relaxadamente quando conversar com seu filho. Encoraje outros membros da família para fazerem o mesmo. Não fale tão devagar de modo que sua fala pareça estranha, mas mantenha-a lenta e faça várias pausas. A fala lenta e relaxada pode ser mais eficaz quando a criança tiver um tempo do dia com a atenção de seus pais só para ela, sem ter que competir com outros. Alguns minutos do seu dia podem ser reservados para a criança, é um tempo em que se vai apenas ouvir o que a criança tem para falar.
Quando seu filho falar ou perguntar algo, tente parar um segundo ou mais antes de responder. Isso vai fazer com que sua fala fique mais lenta e relaxada. Tente não ficar chateado ou nervoso quando a gagueira aumentar. Seu filho está fazendo o melhor que pode para aprender muitas regras novas de linguagem (todas ao mesmo tempo). Sua atitude de aceitação e paciência vai ajudá-lo muito.
Repetições sem esforço e prolongamentos de sons são as maneiras mais saudáveis de se gaguejar. Qualquer coisa que ajude seu filho a gaguejar desta maneira ao invés de com tensão e evitando palavras deve ser feito.
Se seu filho fica frustrado ou triste quando a gagueira está pior, dê a ele segurança. Algumas crianças se sentem melhor quando ouvem “Eu sei que às vezes é difícil falar… mas muitas pessoas empacam em algumas palavras… não tem importância”. Algumas crianças se sentem mais confiantes ao serem tocadas ou abraçadas quando se sentem frustradas.
As disfluências vão e vêm, mas estão mais presentes do que ausentes.
A criança com gagueira severa
Se seu filho gagueja em mais de 10% da sua fala, apresenta esforço e tensão para falar, evita palavras (muda a palavra) e/ou usa vários sons para começar a falar, ele precisa de terapia. Os bloqueios de fala são mais comuns do que as repetições e os prolongamentos. As disfluências estão presentes na maioria das situações de comunicação.
As sugestões dadas para os pais das crianças com gagueira leve também servem para as crianças com gagueira severa. Tente lembrar que lentificar e relaxar sua própria fala traz muito mais benefícios para a criança do que falar para seu filho relaxar, respirar, pensar, falar mais devagar, etc.
Encoraje seu filho a falar com você sobre a gagueira. Mostre paciência e aceitação enquanto conversar sobre o assunto. Superar a gagueira é mais uma questão de perder o medo de gaguejar do que esforçar-se para falar melhor.
Como diferenciar a disfluência fisiológica da gagueira?
- Frequência: as ocorrências de disfluências na gagueira do desenvolvimento são mais frequentes do que as disfluências comuns da infância, que têm, em geral, caráter esporádico.
- Evolução: as ocorrências de gagueira podem desaparecer (remissão espontânea) ou agravar-se com o tempo. É possível ainda haver um cessamento temporário das ocorrências, com retorno posterior, dando ao quadro um caráter intermitente. As disfluências comuns da infância tendem a amenizar e desaparecer.
- Linguagem: há uma diferença muito importante, em termos de linguagem, entre a gagueira do desenvolvimento e a disfluência comum na infância: as crianças que tendem a desenvolver gagueira apresentam problemas para emitir fonemas (o que normalmente as pessoas chamam “letras”) e sílabas, em particular nos primeiros fonemas das sílabas ou nas primeiras sílabas das palavras, ao passo que as crianças que disfluem sem gaguejar, quando manifestam problemas, o fazem em palavras inteiras, partes de frases ou frases inteiras.
- Tipos de disfluência: a gagueira do desenvolvimento abarca alguns tipos de disfluências específicas: repetições de fonemas e sílabas; repetições de partes de palavras; prolongamentos de fonemas, bloqueios e pausas preenchidas (interrupções na fala nas quais a pessoa insere sons, como “ééééé´”…). As disfluências comuns se caracterizam, como já se disse aqui, por repetições de palavras inteiras, partes de frases ou frases inteiras, e também por revisões de palavras (correções que o indivíduo faz durante seu discurso, ao notar que emitiu algo incorreto: “Ela sempre vem/vai na casa da mãe”). As crianças com disfluência comum podem falar algumas palavras pela metade e também fazer pausas, que podem ser silenciosas ou preenchidas.
- Caráter voluntário ou involuntário: a gagueira do desenvolvimento é completamente involuntária, ou seja, não depende da vontade da criança gaguejar ou não gaguejar. Na disfluência comum na infância, pode haver um certo grau de deliberação e controle.
- Comportamento do corpo: Observa-se que as crianças que gaguejam podem apresentar tensão no rosto e/ou no corpo, e alguns movimentos corporais associados aos momentos em que gagueja. Esses movimentos tendem a se intensificar com a evolução da gagueira. Na disfluência comum na infância não se observa tensão ou movimento corporal associado.
- Desempenho linguístico: Nas crianças que gaguejam pode-se observar alguns problemas relacionados ao desempenho da linguagem: em testes de avaliação e correção de frases mal formadas, obteve-se para as crianças que gaguejam um desempenho inferior ao das que não apresentam gagueira; resultado semelhante se obteve em testes de recuperação de fonemas em não-palavras (sequências de fonemas que não correspondem a palavras da língua), para verificar a habilidade em recordar-se de fonemas. Essa característica, segundo os estudiosos, representa não uma deficiência linguística, mas sim um problema que há entre a ativação do fonema no cérebro e a sua produção na fala. As pesquisas em linguagem comprovam que a gagueira não é um problema originado no aparelho fonador, muito embora suas manifestações o atinjam.
- Outras manifestações: As crianças que gaguejam costumam ser impacientes com sua dificuldade de falar, têm dificuldade em manter contato visual com as pessoas com quem conversam, e não raro desistem de falar. Nota-se também que a gagueira pode ser acompanhada de falta de coordenação entre a fala e a respiração, diferentemente da disfluência comum, que mesmo quando acontece vem acompanhada de respiração normal e regular.
Dicas importantes
- Fale lenta e relaxadamente, mas não perca a naturalidade;
- Preste mais atenção ao conteúdo da mensagem e não no quanto a criança está gaguejando;
- Mostre que você está prestando atenção ao que a criança fala: acene com a cabeça, sorria, faça sons de aprovação;
- Mantenha contato de olho com a criança enquanto ela estiver falando;
- Não apresse a criança a falar;
- Não termine as palavras para ela;
- Não permita nunca que outras pessoas caçoem da sua criança.
Raquel Luzardo, casada com o Yan e mãe do Gabriel, é Diretora da Clínica FONOterapia com atuação em atendimento infantil, orientação familiar e assessoria escolar.